quarta-feira, 30 de abril de 2008

Carta para um Velho Marinheiro.


Eu não esperava retornar tão cedo, mas passei muitos dias sobre o mar agitado, pendendo de um lado para outro do convés naquele grande barco abarrotado de mentiras. Num lapso de desespero, pulei. Preferia submergir na incerteza a navegar em seu rumo. Não percebi que levava uma fragmento de tecido da vela grande preso ao meu vestido: sem perceber, ao pular rasguei-a ao meio. Ouvi seus gritos furiosos que logo iriam perder-se entre as borbulhas... eu afundava tão lentamente que podia observar meu próprio corpo submerso há metros de distância. Vi meus olhos, e eles estavam paralisados.

Quando despertei, na praia, percebi que o retalho da vela grande estava enroscado em meu pescoço. Desenrosquei, observando-o durante alguns poucos minutos, até que decidi guardá-lo comigo. Pousei a mão direita sobre a testa para ver o grande barco sumir com dificuldade no horizonte. Meus olhos se fecharam num gesto de alívio ao perceber que as palavras rudes daquele velho marinheiro enferrujado pela dor e pela vida já eram imperceptíveis. Mas eu ainda tinha um grande retalho despropositadamente arrancado da sua vela maior. E você, tinha uma grande vela rasgada ao meio.

Quem de nós, meu amado marinheiro, sobreviveu à viagem?