domingo, 15 de fevereiro de 2009

Carta sobre o Amor.


Da proa, as numerosas colinas que se exibiam no horizonte desafiavam até os olhos mais atentos; pareciam brotar a cada novo olhar. Eram ondulações intermináveis. Ocupada com este pequeno exercício oftalmológico, mal pude notar dois braços que se agitavam no mar. Mas a rapidez do meu olhar era inversamente proporcional à minha capacidade de compreender o que meus olhos haviam acabado de captar. Voltando-me para as colinas verdes, no entanto, algo latejava em minha mente. "Homem ao mar", pensei, reagindo ao meu estímulo visual. Logo recompus os fatos: eu estava sozinha naquela embarcação (logo nenhum tripulante poderia ter precipitado do barco) e os dois braços que se agitavam apenas compunham os movimentos de alguém que nadava, com bastante energia.

Então as colinas desapareceram do horizonte. E os meus olhos míopes haviam finalmente percebido uma figura masculina aparentemente afeita ao mar. Mas onde iam os seus braços morenos, que já escapavam novamente aos meus olhos? Iam longe? Iam por quê?

De repente, a figura se detivera em suas braçadas e virou-se. Mas eu não havia feito o menor alarme. De longe, nem que a minha curiosidade fosse a mais ambiciosa na história da humanidade eu poderia perceber naquele rosto alguma expressão. Deixei o barco para trás e pulei, disposta a ir em sua direção, mas os meus braços franzinos agitavam-se desajeitadamente, embora me garantissem algum deslocamento. O homem então passou a nadar em minha direção cada vez mais rápido, o que me fez deter.

Perto, de onde meus olhos míopes podiam até mesmo distinguir uma discreta cicatriz em seu belo rosto, vi o seu sorriso, os seus olhos, os seus olhos, os seus olhos. Lembrei-me dos Faróis. A sua respiração ofegante rompia as suas palavras em sílabas, embora eu já não estivesse mesmo atenta à mensagem que ele procurava transmitir. Num mundo com tantas e sedutoras cores, eu havia substituído o verde das colinas pelo castanho dos seus olhos no governo da minha íris. Eram tão raros aqueles olhos castanhos.

A mensagem persistia, mas desta vez coerente: "Seu barco! Ele se foi!"

Eu havia deixado o barco à deriva quando pulei. É ridículo, mas aconteceu. Esqueci-me de fundear...e o barco se foi.

Por dois olhos castanhos.
Por dois olhos estranhos.
Por dois braços morenos.

A verdade é que hoje, meu barco importa bem menos.