sábado, 12 de julho de 2008

Do Amor Sob os Olhos Cegos do Farol.




Ergui-me sobre a ponta dos pés para ver: ela tinha saído da água. Estava nua e carregava no rosto a expressão um quase-sorriso...ou apenas resignação.

O estrangeiro perdido estava à sua espera. De fato, nunca mais deixou a ilha. Recebeu-a com um beijo e tomou a sua mão.

Não conhecia a alma daquela mulher, apenas os contornos do seu corpo. O Farol era desde sempre, guarnecido por uma mulher que havia desaprendido a falar, tamanha a solidão em que vivia, e também por que ela achava ridículo dialogar com seres inanimados. Preferia escrever e o fazia com grande frequência. Sob a sua velha cama repousavam dezenas de cadernos, recheados de rabiscos com letras miúdas. Seus olhos também escreviam e à noite, as estrelas rabiscavam frases infinitas...

Às vezes ela balbuciava frases soltas, com manifesta dificuldade. Era estranho, para o estrangeiro, perceber-se mais eloqüente do que alguém que havia nascido dentro das fronteiras daquele idioma. Ele nunca havia tocado nos cadernos Mas percebeu que, sem a fala, mesmo a língua mãe pode parecer incognoscível.

Um dia ele tentou fazê-la pronunciar a frase eu te amo. Mas ela não moveu os lábios. A mulher fitou o vazio e deitou-se novamente na velha cama. O estrangeiro, decepcionado, deitou-se ao seu lado.

Um dia o estrangeiro voltou do Farol com um grande corte na perna. Ela abriu os olhos e apressou-se em tazer antissépticos. Enquanto segurava um pedaço de pano sobre o corte com suas pequeninas mãos ela disse eu te amo. O estrangeiro fitou-a confuso: após meses, a frase surgiu em meio àquelas circunstâncias. Por quê?

Ela segurava firme o corte, para que parasse de sangrar.