segunda-feira, 23 de junho de 2008

Relato de Um Farol Invadido.




Então ele deslizava escada acima, escada abaixo. Espiralava os movimentos pelo interior daquela torre inabitada. Não sei o que buscava. Apenas escutava o eco dos seus passos intrépidos e sentia suas mãos tatearem as paredes frias.

Era um farol intacto e desguarnecido.

Então ele alcançou a lanterna. E os seus dedos tocavam a lanterna. Os seus olhos olhavam os olhos cegos do farol. Caminhou em volta, como se estivesse numa brincadeira de roda solitária, rindo o riso puro de um menino movido apenas pela curiosidade. Mas não era um menino, era um homem feito. E o calor das suas mãos revelava o desejo escondido sob as carícias inocentes. Logo o riso desfez numa expressão de ansiedade.

Às lentes as suas mãos não conseguiam transferir o calor. O farol estava ali há tanto tempo, resistente, solitário e frígido. Tenaz. Eu observava tudo a uma certa distância, para não ser vista. Invejava o farol, que mesmo morto, recebia afagos, porém compadecia-me do tal homem, que finalmente se convencia de que dentro em poucos minutos, a escuridão engoliria o mundo e o farol permaneceria cego.

O homem parecia não acreditar. Notei que o seu barco aguardava ancorado à praia e compreendi que esta noite, ele não regressaria ao seu lugar de origem. O farol estava morto. Não havia nada a fazer.

Eu, faroleira, sabia que havia uma lâmpada na câmara de serviços. Era só subir lá, procurar uma no meio das coisas velhas que se acumulavam e efetuar um pequeno teste na lente. Eu podia ter feito, mas não o fiz. Estava naquela ilha há tanto tempo, sem nenhum contato com gente. Na minha pequena casa havia um lugar a mais na mesa que nunca era ocupado. E era bem melhor passar uma noite segura em minha pequena casa do que passar uma noite inteira à deriva. Sabe-se lá os perigos que o Mar esconde.

Surgi de repente detrás das rochas. Ele me olhou e soltou um suspiro de alívio, veio a mim com grande alegria. Mas eu não havia aparecido para ajudar.

O marinheiro nunca mais conseguiu deixar a ilha.