quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Foto: Howard Schatz


Ontem, depois de uma longa tempestade, eu caí do barco e vim parar aqui, na água. Você ficou e me observava atônito, porque nada podia fazer. Eu sentia meus dedos escorregarem entre os seus... te observar me entorpecia.

O mundo além da linha d’água parecia uma imagem distorcida, mas não você. A sua imagem incorruptível me atraía e me mantinha flutuando próximo à superfície, esta barreira que eu não podia transpor. A linha d’água era o último limite entre nós e o toque. Depois do toque, tudo se misturaria, tudo se fundiria, tudo se confundiria, tudo se equilibraria.

Eu me sentiria menos aflita com todos os olhos do mundo observando meu corpo nu, que com a possibilidade de não ter os seus dois olhos velando pelos meus, agora, embaixo d'água. Por que a minha vida sem você teria menos sentido agora, embaixo d'água. Eu poderia suportar a apnéia, a longa espera, até a partilha. Jamais a partida.

A linha d’água é como um espelho. A cada recuo seu, a cada passo para trás, eu mergulho no breu e afundo um pouco mais.

De onde você me observa, todo o peso do mundo flutua como um grande navio cargueiro flutuaria. Todas as mãos do mundo não poderiam me manter aqui, embaixo d'água. Apenas o fitar distante dos teus olhos poderia me sugar para o fundo, e então eu não resistiria.

O temor que o abandono inspira é abissal. Todas as luzes são fracas, todo o calor é vácuo, todas as ondas são vagas e todas as horas estáticas.

Por favor, não solte a minha mão agora.