sexta-feira, 2 de julho de 2010

Carta sobre o Desamor.




Alguém um dia me ensinou que, durante um afogamento, a agitação da vítima em pânico pode comprometer a tentativa de salvamento.
Ele estava agitado, andando de um lado para o outro do convés. Eu estava encostada no parapeito da popa. Eu gesticulava muito, mas tinha pouco a argumentar. Gritávamos ambos, feríamo-nos ambos. O céu iria desabar em minutos, mas ele não se intimidou. Olhou as ondas e pulou n'água. Sabia nadar e queria ir longe.
Eu pulei em seguida, sem fazer muitos cálculos, como da primeira vez (quando ele apenas nadava majestosamente e por diversão, numa longínqua manhã de colinas muito mais verdes).
No entanto, em meio a ondas monstruosas, ventos uivantes e uma chuva intensa, ele começou a afundar.
Naquele exato momento, todas as noites em claro, todas partidas, todas as guerras, todas as tréguas, todas as dívidas e todas as culpas nos puxavam para baixo. Ele agitava os braços, aflito, para se livrar dos meus que o reprimiam, embora tentassem não menos que libertar. Livrou-se deles e deslocou-se mais alguns metros. Mas havia tanto descontrole, desespero e angústia, que o cérebro não podia enviar aos seus braços e pés o simples comando para que se movimentassem. Eles se debatiam patéticos enquanto as ondas cresciam, afastando-nos do barco e da bóia de sinalização.
Nadei para me aproximar, mais uma vez, ligeiramente sem fôlego. A altura das ondas causava medo, agora que a escuridão da noite e da tormenta já nos havia tragado totalmente. Tanta água vinha do céu, do mar, com tanta violência. Tanta água e quase nenhuma luz.
Tentei agarrá-lo mais uma vez, energicamente, tentando removê-lo da paralisia inexplicável. E daquela teimosia suicida!
De repente, vi em seus olhos injetados, pela primeira vez, a sombra do medo. E uma súplica vertia em lágrimas, milagrosamente discerníveis sob toda aquela chuva.
Não sei se havia amor, nem vontade. Já havia me esquecido de Deus, da Razão, das lições de Ondulatória...não conseguia lembrar do meu nome, da minha vida pregressa. Nenhum nano-filme antecedeu a sensação de que o fim vinha como uma gélida corrente marítima, no morno e calmo oceano da vida, varrer tudo sabe-se lá para onde...
Busquei algum sinal de pulsação, mas não o encontrei nem mesmo em mim.

[...]

Alguém um dia me ensinou que, durante um afogamento, a agitação da vítima em pânico pode comprometer a tentativa de salvamento. Porque pode resultar na submersão de ambos.

2 comentários:

Marina disse...

No início, achei que a primeira frase seria como uma metáfora, mas depois vi que o texto inteiro é que seria a metáfora.

Muito bom!
Beijos.

ψ Gustavo R. de O. disse...

Rebeca,

seus textos continuam e me surpreender. Cada estrofe soa como um arranjo bem harmônico de idéias.
Muita coisa não está explícita e aí que sinto motivado ao tentar advinhar suas metáforas.
Sua escrita tão aguda... é prazeroso navegar na leitura.
Parabéns, minha amiga de sete mares.

Do seu amigo.